Discussões sobre a loucura e a normalidade são infindáveis, uma vez que rótulos, desabafos, conveniências dizem que a atenção psicológica e o tratamento psiquiátrico são solicitados sempre que uma manifestação psíquica incomoda o sistema sócio-cultural vigente e/ou faz sofrer o indivíduo como vimos em aula e discutimos atentamente através da linha histórica.

Ao falarmos sobre a loucura encontramos discursos filosóficos, antropológicos, sociológicos, policiais, forenses, incluindo os psiquiátricos.

Popularmente ou culturalmente, o problema da doente mental, resume-se à alguém cujo comportamento difere dos demais e é capaz de provocar algum grau de ansiedade e constrangimento social.

A reclusão e tratamento asilar das pessoas consideradas alienadas num hospício torna-se, então, uma necessidade social, tão mais solicitado quanto maior o grau de estranheza produzido pela pessoa em seu meio. Para o paciente causador de constrangimento e estranheza nem sempre se considera seu sofrimento, como acontece com as internações em outras especialidades médicas.

A exclusão do doente do mundo dos normais atem-se, quase exclusivamente, ao aspecto comportamental. Aqui, a unidade de observação é o ‘ato’ do paciente. Quem sabe  não acaba atendendo muito mais a sociedade e a família que o paciente propriamente dito?

Pessoas seriam internadas não apenas em decorrência de seus atos mas, sobretudo, em razão de seus sofrimentos e suas limitações?

E através dos diversos temas apresentados, exposições e textos comentados foi possível refletir que, enquanto a sociedade tem uma preocupação centrada exclusivamente no ato, é necessário preocupar-se, também, com os sentimentos.

A maneira peculiar de viver e de sentir a vida, cuja compreensão evoca uma outra unidade de observação que não o ato; trata-se da personalidade.

Sanidade do indivíduo de acordo com seu comportamento, de acordo com sua adequação às conveniências sócio-culturais provoca choques contundentes entre estas as maneiras de entendimento da patologia.

A existência da doença mental é fato para a psicopatologia, contudo não é possível assumir uma cegueira científica que deixa de revelar a importância sobre áreas próximas da medicina que tratam dos conteúdos do indivíduo.
O paciente  pode apresentar uma alteração na qualidade do ser, ao lado de uma alteração na quantidade do fenômeno psicopatológico.

Assim é perceptível que alterações psicopatológicas ou os desvios da normalidade acontecem tanto do ponto de vista qualitativo como quantitativo, freqüentemente ambos e simultaneamente. Nos sintomas de angústia e depressão, por exemplo, que estes sentimentos podem aparecer em quantidade que ultrapassa os limites considerados normais, assim estas ocorrências passam a ser consideradas patológicas – quantitativas , tanto quanto passam a produzir sofrimento.

Penso não ser cabível afirmar com obviedade que definir um cérebro normal, um pulmão normal, uma função gastrointestinal normal é estar isento de doença e portanto considerar um indivíduo plenamente feliz.

É discutível aparecer a normalidade na ausência de sentimentos desagradáveis, como o medo, a culpa e a ansiedade, juntamente com uma qualidade valorativa, a responsabilidade.

A dicotomia entre mente e corpo até, recentemente, era bastante retrógrada e geradora de conflitos e angústias, para profissionais e leigos. Na prática  diária, observo, agora com maior atenção, que muitos pacientes ainda se confundem com os limites tênues existentes entre as questões somáticas e as mentais.

Há resistência entre colegas psiquiatras em encaminhar seus pacientes aos psicólogo e psicanalista – e vice-versa –  o que é muito deletério à ação terapêutica holística que esses quadros requerem.

Ouvimos, repetidamente, pessoas que se dizem saturadas, confusas e exaustas frente às opressivas exigências, aos papéis que mudam e à pressão sem precedentes do novo tempo.

Nos dias de hoje, a psiquiatria e a psicoterapia estão enfrentando novos desafios, assuntos complexos e inquietantes que tornaram muitos dos antigos modelos e técnicas obsoletos. As pessoas estão tendo que caminhar em meio a um terreno desconhecido e no qual todos os antigos papéis e valores – assim como as tradições – , perderam sua aplicabilidade, tendo eles que serem substituídos ao longo desse caminho.

Questões como o relacionamento via Internet, casamento a longa distância, adoção de crianças por casais homossexuais, a possibilidade de mudar a genética dos filhos, violência contra a mulher aumentada,  dependência e uso abusivo de drogas, estresse diário descomunal, infertilidade e quadros da senescência, pelo aumento da longevidade desafiam a normalidade e  os nossos conceitos mais preciosos.

Conceitos sociais que mudam rapidamente requerem novos posicionamentos no que concerne a uniões, reproduções, amor, profissão e mudanças vinculares, entre outros.

Na prática, a adaptação   aos conceitos – acompanhados de uma percepção e entendimento não preconceituosos , que se refletem em um comportamento adequado, perante o novo mundo, é extremamente difícil. Requer determinação, paciência e flexibilidade na busca de uma mudança global do psiquismo.

Precisamos reconsiderar o que é normalou anormal, natural ou não natural. A questão da psicoterapia não é tão somente metodológica, mas, ideológica, assim como a questão em psiquiatria não é somente medicamentosa, mas contextual.

E perguntas brotam em nossa mente:

  • Existe um limite para qualquer tipo de comprometimento?
  • Como é possível competir com as fantasias virtuais?
  • Casais de homossexuais enfrentam questões complicadas: quais são as regras, as obrigações e as responsabilidades na co-parentalidade?
  • Em caso de separação, quem tem direito a custódia?
  • filho pode levar a namorada para dormir em casa?
  • Liberamos ou não a maconha?

Para que os profissionais da área de saúde acompanhem as pessoas, atualmente, é necessário que as ajudem a olhar além de seus mundos particulares, ou seja, para as forças sociais externas que atualmente estão determinando o seu mundo.

Reordenar as idéias é fundamental, pois hábitos e fundamentos inflexíveis podem facilmente desorientar as pessoas, e propiciar novos tipos de preconceitos e alienação. Faz-me pensar que nem sempre o que é habitual trata-se do normal ou ainda, nem sempre o excepcional é patológico.